Sobre a alegria de odiar

A visão tradicional do inferno, sustentada pela maioria das seitas cristãs, quer fazer com que as pessoas tenham fé em uma divindade vingativa, que atormenta os "maus" por toda a eternidade. A citação abaixo expõe com clareza, não só esta condenação ao padecimento eterno, como o gozo, que é também eterno, dos "salvos", os que alcançam o Paraíso, com o sofrimento alheio:

“Parte da felicidade dos bem-aventurados consiste em contemplar o sofrimento dos condenados. Este vislumbre vai lhes trazer alegria porque é a manifestação do ódio e da justiça de Deus ao pecado; mas, principalmente, porque estabelece um contraste que ressalta a compreensão do seu próprio estado de felicidade” (D.P. Walker, em "O Declínio do Inferno: Discussões Sobre o Tormento Eterno no Século Dezessete").

A ideia de um deus que sentencia pessoas a um sofrimento eterno é repulsiva e faz muita gente temer, com razão, o cristianismo. Um exemplo desse medo é o trecho abaixo, escrito por ninguém menos do que Charles Darwin, em sua Autobiografia (citado em Paul Martin, "A Mente Cura: As Ligações Vitais Entre o Cérebro, o Comportamento, a Imunidade e a Doença").

“Assim, a descrença se apoderou de mim a um ritmo lento e progressivo até finalmente tomar conta (…). Realmente não consigo entender como alguém possa querer que o cristianismo seja verdade; porque se fosse verdade, a clara linguagem do texto parece mostrar que aqueles que não acreditam (…) serão punidos por toda a eternidade. E esta é doutrina condenável”.

A ideia de inferno, portanto, sustenta uma correspondente noção de felicidade daqueles que seguem a doutrina, os "justos", com o sofrimento daqueles que dela divergem, por pensamentos ou ações, os "injustos".

Não me parece um grande salto de fé enxergar nesta visão um paralelo evidente com o desejo cruel, tantas vezes exposto nas redes sociais por aqueles que se pensam "homens de bem", de punição impiedosa e definitiva para todos os desviantes do que eles entendem ser o "bom caminho". E ajuda a entender a raiz mítica da alegria com que eles enunciam as barbaridades que postam.

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