ESQUERDA BURRA !

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Antes de mais, vou tentar estabelecer um conceito básico sobre o que acho seja burrice. Entendo assim aqueles casos em se improvisa não medindo consequências; complementarmente, considero burras aquelas pessoas obtusas e impermeáveis à razão mais óbvia. Em linha metafórica e clichética, burrice seria nada mais que não querer enxergar um palmo adiante do nariz.

Dito isso, vamos à razão do título.

Desde que assumi a linha groucho do meu marxismo, penso se algum dia fui mesmo tão burro quanto a esquerda sempre me pareceu. Acho até que fui, sim. Toda militância política tem um "quê" de entorpecimento. Nunca perguntei, por exemplo, a um stalinista, se ele acreditava mesmo naquele papo de "guia genial dos povos", "farol da humanidade" etc. Ou, a um maoísta, nunca me ocorreu questionar sobre o flash cegante de obviedades que era o livrinho vermelho.

Pessoalmente, creio que tanto um quanto outro seguiam, sim, cegamente, os ensinamentos de seus gurus. Assim como eu sacava citações de Trotsky em inflamadas discussões apenas porque não sabia me virar por mim mesmo numa discussão - e, mais ainda, estava sob o incontestável centralismo democrático.

Confesso um pouquinho de vergonha daquilo tudo.

Penso, também, que, se ativo na época, talvez tivesse participado, sem ter feito nada para impedir, de um dos momentos mais tragicômicos e idiotas da história da esquerda brasileira: o Congresso da UNE em Ibiúna, em 1968. Nada menos que 900 estudantes reunidos num encontro secreto - isso mesmo, secreto - numa chácara localizada num pequeníssimo município do interior de São Paulo. Nele, engaiolaram o Wladimir Palmeria, o Luís Travassos e o Zé Dirceu.

Por muito pouco, esses caras não acabaram fuzilados por conta da outra grande cagada da nossa esquerda: o sequestro do embaixador norte-americano, dando início à luta armada da formiguinha contra o elefante. Heroísmo? Sim, sem dúvida. Mas todo ato de heroísmo tem o componente do improviso e do não pensar. E, de heroísmo em heroísmo, fomos perdendo alguns bons escritores, outros tantos cientistas, alguns médicos de valor.

Nunca absorvi completamente certas atitudes das organizações de que participei. Me vi obrigado a apoiar uma tal de revolução islâmica no Irã embora nunca tivesse dúvida de que aquilo ali era comandado por um bando de religiosos com mentalidade medieval. A ala prestista do PCB, certa vez, me deu de presente o Livro Verde do Kadhafi. Jamais li um amontoado tão grande de tantos pensamentos estúpidos. Quando vejo, hoje, os muros pintados com saudações à resistência palestina, me pergunto se a esquerda considera um avanço o Hamas ter assumido poder em Gaza.

Não sei o que está sendo discutido, neste dias, nos núcleos que pregam por uma sociedade socialista. Se estão, porém, falando em revolução mundial, o grande inimigo ainda é os EUA junto com seus aliados. E qual seria, então, o novo paradigma? A China? Ou a heróica luta do Talibã? Quem sabe a esquerda não esteja apoiando a bomba atômica dos aiatolás?

Comentários

  1. Oi, Alípio.

    Não tenho autoridade para contestar a sua experiência na militância durante a ditadura, essa foi uma época em que eu não vivi e que só conheço por livros ou relatos de familiares.

    Mas me preocupa essa vergonha que você e outros da sua geração afirmam sentir. Mesmo que seja um "pouquinho". Me preocupa, porque se a autocrítica é importante, não acho que se deva jogar tudo pelo ralo assim... Parece que vai bebê, bacia, mãe e pai junto com a água suja do banho.

    Quando você diz que "de heroísmo em heroísmo, fomos perdendo alguns bons escritores...", logo me vem a pergunta: oras, quer dizer que a culpa pelos assassinatos políticos agora é de quem lutava contra a ditadura? Afinal, não foi o regime militar quem derrubou um governo legitimamente eleito, suspendeu direitos políticos e constitucionais e empregou, sistematicamente, a tortura como método de investigação?

    Outro dia, abri uma dessas revistas de história que se vende em bancas e me deparei com uma matéria afirmando que a luta armada contra o regime militar foi responsável por uma guerra civil no Brasil. Afora os exageros midiáticos, fica a notícia: não foi a ditadura a responsável, não foi ela que deu o golpe etc e tal.

    Auto-crítica é importante, mas será que não estamos escrevendo uma história do ressentimento? Não me vejo como um militante, mas a Folha tá aí chamando o regime militar de "ditabranda". Talvez a gente deva olhar com mais consideração as tentativas (que não estiveram livres de equívocos) de resistência à ditadura. Afinal, qual é o nosso papel, o papel dos homens comuns, na política e na história? Não canso de me fazer essa pergunta.

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  2. Ah, fui recuando nos posts e pude apreciar a discussão. Não sabia que a coisa já tinha ido tão longe.

    Lamento a sua postura.

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  3. Vítor, muito bem observado.

    Acredito realmente que, mesmo nós dois não tendo passado por esse sangrento capítulo da história de nosso país, por termos nascido depois, temos sim condições de mostrar o nosso ponto de vista (o mais sensato, para dizer o mínimo).

    A ditadura foi um período cruel, injusto, anti-democrático, bronco e, acima de tudo, vergonhoso. E ainda há muito ser revelado, coisas importantes escondidas pela censura.

    É um absurdo, uma falta de respeito, uma desconsideração total pôr a culpa pela guerra civil nas vítimas da ditadura, como você viu nessa tal revista de história. Você teria o nome da publicação?

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  4. Oi, Ana.

    Guardei sim a referência da publicação. Trata-se da revista 'Aventuras na história', n. 47 de julho de 2007.

    Se tiver afim de passar raiva, procura os textos do Marco Antonio Villa. Ele já deu umas entrevistas na Veja e na IstoÉ sobre o que considera "as falácias da luta armada" e correu para defender a Folha no caso da 'ditabranda'... ai ai ai

    Obrigado pelo comentário,
    Abraço.

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