Meu primeiro baseado




A Márcia era um mulherão! Daquelas de babar. Uma comissão de frente de perturbar o sono de qualquer um. E ela tinha aceito meu convite para irmos ao teatro! A gente se conhecia (pouco) do movimento estudantil, tínhamos sido do mesmo partido (eu já tinha saído), mas de faculdades diferentes. Eu também deixara a UERJ e tinha entrado para o Banco do Brasil. Comprara um carro e havia tirado a carteira uns meses depois. Um dia liguei, nervosíssimo, fiz o convite e me surpreendi com a aceitação dela, naturalíssima. Era início dos anos 80, a peça escolhida foi "Rasga Coração", do Vianinha, temporada de inauguração do teatro Villa-Lobos, em Copacabana, um espetáculo!

Marcamos na casa dela, um apartamento em Botafogo que ela dividia com umas amigas, então sitiado pelas obras do Metrô. Era a primeira vez que eu saía com meu Chevette 75, e também a primeira vez que eu rompia com minha timidez histórica, e logo com a Márcia! Uau!

Cheguei, arrumado, perfumado, tenso ao extremo, na hora marcada. Mesmo dirigindo pior do que canto, chegara sem incidentes. Uma das amigas me abriu a porta e entrei na sala, à meia-luz. Nana Caymmi, baixinho, ao fundo, anúncio de grandes possibilidades. A Deusa me esperava, lânguida, deitada numa rede junto à janela. A colega evadiu-se discretamente...

- Oi.

- Oi.

Levantou-se, beijinho, mostrou-me a mesa da sala com um gesto, e disse:

- Vou tomar um banho rápido, pra gente sair logo. Enrola unzinho aí pra nós.

E me deixou, inconsciente da saia justa: eu nunca, até então, tinha enrolado nenhum baseado! E disso agora dependia o sucesso da incursão!

Nem cigarro eu fumava na época! Me explico melhor: não é que eu nada soubesse a respeito. Afinal, já tinha mais de 20 anos e já dera uns tapinhas sociais, nas rodinhas de universitários, sem nada sentir. Não sabia fumar, achava mesmo que o tal do barato era algo assim como uma ilusão coletiva. Quanto à mecânica de se enrolar um desses cigarrinhos que passarinho não fuma, só conhecia de vista.

Sobre a mesa, um potinho com uns camarões da maldita e uma embalagem de papel de seda. Alea jacta est! Apavorado, mas inesperadamente lúcido, lancei-me ao desafio, com o melhor das minhas habilidades. Como já tinha visto ser feito antes, desberlotei cuidadosamente os camarões, retirando ramos e sementes, peguei minha carteira de identidade, que usei para ajudar a dobrar o papel de seda, com a erva dentro, no lugar preciso, enrolando com a máxima concentração. O resultado final: perfeição! O primeiro foi também o mais bem enrolado baseado da minha vida. Graças à Márcia, ao meu tesão pela Márcia!



Ela retornou, linda, deliciosamente perfumada. Pegou casualmente minha obra-prima e nós a consumimos juntos, ela sem ter idéia do feito que eu perpetrara.

Parecia um presságio extaordináriamente favorável... O Universo me sorria!

Só parecia. Depois, deu tudo errado, mas aí já é outra história...

Comentários

  1. Essa foi boa mas estou esperando a outra história...Conta logo.
    Bj

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  2. Sempre pensei que o primeiro baseado tinha sido daquela vez que...ops! foi mal! brincadeiras à parte, estou acompanhando com crescente interesse as crônicas narrativas de meus companheiros de blog. Muito talento desses caras!
    Agora, se eu resolver abrir o baú das histórias por nós vividas em comum, tempos atrás, vai sair muita coisa cabeluda! Não me tentem...! bjs

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  3. Grande Patah !
    Excelente postagem.
    E estou aguardando, ansioso, também, a "outra" história.

    Beijo

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  4. Estou em cólicas pelo resto da história. E também estou esperando que a tentação surta efeito. Conta mais, conta mais, conta mais...

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  5. Ei vc, O que desenha, anda põe a boca no trombone e manda ver.. Estou hiper curiosa, quase nem consigo dormir.
    Bju bom final de semana.

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  6. Patah, ô Patah, sacanagem...Estava dando um tempo antes de sair e entrei no Blog pra ler as novidades. Cara, o resto desta história eu quero ouvir pessoalmente !!!!
    Bom domingo e bjsss

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