Um dos primeiros de um dos muitos últimos

Fabricantes, continuem fabricando, precisamos de seus impostos. Comerciantes, continuem comerciando, precisamos de seus impostos. Consumidores, o cigarro faz mal à saúde, e somos zelosos com ela. Estão cada vez mais proibidos, cada vez mais encurralados, cada vez mais alijados. Não podemos desperdiçar os impostos escorchantes arrecadados de fabricantes e comerciantes com saúde, ainda mais se com a de meros espécimes de saúde falível e espírito fraco. Vocês são um câncer (ôpa!) social que precisa ser extirpado, erradicado, eliminado de nossa bela e equilibrada suciedade, o que não impede, é claro, que arrecademos o animus, digo, impostos de vocês, seus apátridas desqualificados!

Lei anti-fumo: é pra preservar a saúde dos demais? Tem gente que prefere relaxar após um dia de contrariedades, e o único reduto, quase covil, quase esconderijo é o botequim, para onde vão estes que decidem se expor à inclemência da intempérie, como diziam antigas bulas de beberagens, e que convivem naquele momento com outros refugiados naquele campo de concentração (de fumaça).

Proibição de cigarros: é em nome da saúde do brasileiro?...Ah, tá, então calibre amanhã os filtros de escapamento e carburadores de ônibus e caminhões, recolha as bacias de óleo singer de um mês atrás das pastelarias, mais parecido com petróleo, proíba transgênicos, suprima comerciais de remédios com certeza duvidosos, a impressão a laser com seu toner altamente poluidor e poluente, o chumbo da gasolina, os mineradores e seu mercúrio assimilado pelos peixes que consumimos, capeie os córregos para que não sirvam de rede de esgoto, lixo e depósito de pneus velhos... Mas tudo isso, e muito mais sob pena de multas pesadas, lavradas na hora e não passíveis de anistia, e prisão em flagrante com penas pesadas e não passíveis de redução.

Primeiro foi a propaganda, banida das tevês, do rádio, de revistas e jornais, dos outdoors ... tudo bem. Logo, nos aviões, longos voos, gente na cozinha, no banheiro... coisa meio escrota, mas são os tempos, afinal. Muito, muito antes, elevadores e ônibus... mais do que natural. Cinemas e teatros, só no saguão: beleza. Recentemente, inventaram um tal de espaço fechado, com definições hipocritamente abstrusas que incluem qualquer local não inteiramente aberto. O botequim balança, vacila, mas resiste heroicamente ainda. O círculo já está, a essa altura, 320° fechado. Mas agora, aos 355º de cerco aos fumantes, vou sorrateiro comprar um maço e fumar escondido um cigarro, estropalho aleatório a cobrir sedulamente o espelho do meu próprio banheiro para que nem eu me denuncie perante bigbrotherianas câmeras de mim mesmo.

Será que sou pessoa condenada a ser nem o cão tolerado pela gerência na tabacaria? Tabacaria, nossa, que ironia!