"Em algum remoto rincão do Universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez um astro, onde animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da "história universal": mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza, congelou-se o astro, e os animais tiveram de morrer - assim poderia alguém inventar uma fábula e nem por isso teria ilustrado suficientemente quão lamentável, quão fantasmagórico e fugaz, quão sem finalidade e gratuito fica o intelecto humano dentro da natureza. Houve eternidades em que ele não estava; quando de novo ele tiver passado, nada terá acontecido, pois não há para aquele intelecto nenhuma missão mais vasta, que conduzisse além da vida humana. Ao contrário, ele é humano, e somente seu possuidor e genitor o toma tão pateticamente, como se os gonzos do mundo girassem nele. Contudo, se pudéssemos nos entender com a mosca, perceberíamos então que também ela bóia no ar com este páthos e sente em si o centro voante do mundo". (Nietzsche (Saúde!), em "Sobre a verdade e a mentira no sentido extramoral", escrito em 1873, nunca publicado pelo autor).
Assim, o bicho-homem julga, de modo presunçoso e ignorante, o mundo em que vive de acordo com a sua lógica peculiar, humana. Estes "animais inteligentes" acreditam ter um "status" exclusivo, superior às demais espécies e aos demais elementos presentes na natureza. A crítica nietzscheana, ao contrário da maioria dos filósofos do Ocidente, afirma a animalidade do homem, e que seu pensamento é dominado por pulsões e instintos, por sua vontade primitiva e pela sua capacidade limitada de compreender o mundo. Como qualquer outro animal, o ser humano só consegue compreender aquilo que seu cérebro, ele mesmo fruto da concorrência da evolução, lhe permite.
Esta bela citação abre também o primeiro capítulo da interessantíssima obra de Richard David Precht "Quem sou eu? E, se sou, quantos sou?", um texto raro de introdução à Filosofia. Distante das exposições mais comuns, que são ou muito focadas na história das diversas escolas de pensamento, ou complicadas demais para manter a atenção dos leitores, o livro de Precht procura se concentrar em perguntas gerais do tipo: Como se podem combinar os conhecimentos sobre a consciência adquiridos pela Filosofia, pela Psicologia e pela Neurociência? Eles se excluem ou se complementam? Existe um "eu"? O que são os sentimentos? O que é a memória? Para Precht, a pergunta mais importante para a formação da consciência humana é "O que é melhor para minha sobrevivência e meu progresso?" E, em Filosofia, como já disse Woody Allen, uma boa pergunta vale mais do que uma boa resposta...
Pretendo, mais adiante, esmiuçar o livro de Precht e tricotar (não sei tecer) alguns comentários. Salve-se quem puder!
Bem, não me estenderei muito no comentário porque ainda não li o livro, pretendo fazê-lo assim que acabar a maratona de provas do colégio onde ainda estudo.
ResponderExcluirApenas posso dizer que gostei bastante da proposta, e recentemente vi despertar meu interesse em conhecer a obra de Nietzsche (saúde xD)já que ,dele, só conheço a perturbadora frase "Não posso acreditar em um Deus que queira ser louvado o tempo inteiro"
"Quem sou eu"... e lanço nova pergunta: "e eu me importo?"