Obama aceitou o Nobel da Paz de bom grado. Mas não teve como evitar um discurso de ressalva. Há guerras e guerras. Alguma, com certeza, justas. É claro que não há como discordar disso. Um país defendendo com unhas e dentes suas fronteiras de um agressor interessado em conquistas é muito mais uma obrigação que um direito. Daí que foi, sim, mais que justo o encarniçado vale-tudo da resistência vietnamita contra franceses e norte-americanos. O problema é que a isso os generais do Pentágono chamaram “guerra suja”. E, portanto, sujaram-e-meio.
A discussão é exatamente essa aí. Justa ou não, não posso imaginar que exista uma guerra limpa. O vilão é quem perde.
Esse negócio de se tratar de guerra suja foi o pretexto maior para que as ditaduras espalhadas pelo mundo pudessem dar verniz de moralidade aos seus massacres. Forças Armadas de países subdesenvolvidos nunca foram realmente preparadas para combater exércitos regulares de improváveis invasores. O estímulo e o treinamento eram pra pegar de qualquer jeito o tal do inimigo interno, vale dizer, nos tempos da guerra-fria, pegar o cara que insistisse no papo de combater o capitalismo. Todos do lado debaixo do Equador cumpriram bem a tarefa. Mataram moscas a golpes de marreta. A máscara caiu naquela guerra idiota das Malvinas. Uma burrada e tanto dos militares argentinos. Valentes demais para torturar, seqüestrar e executar militantes de esquerda, os arrogantes oficias porteños borraram as calças quando se viram obrigados a confrontar bem treinados soldados profissionais. O famoso capitão Astiz, o anjo louro torturador, avisou de sua bandeira branca pelo rádio, sem disparar ou sofrer qualquer tiro.
A vaca fria aqui, entretanto, é que a guerra, por sua própria essência, é um recurso sempre sujo e definitivo para dirimir dúvidas. Guerreiro de carteirinha é um cara treinado para matar sem sentimentos de culpa e fazer o que for preciso para cumprir sua missão. Na guerra justa de Obama, especialmente a do Afeganistão, o pau come sem regras, podem apostar. Todas as tropas de elite norte-americanas seguem, invariavelmente, um tratamento em três etapas para a formação de hábeis assassinos sem qualquer remorso. Na primeira fase, os valores de uma América superior e do bem são devidamente encasquetados nas mentes dos recrutas - são semanas de doutrinação; na fase seguinte, começa o jogo pesado – é a hora de desumanizar o inimigo, colocá-lo como a própria encarnação do mal, do exotismo e da herança maldita de belzebu. O terceiro momento, porém, é o mais sofisticado e científico - mais ou menos como aquele condicionamento no filme “Laranja Mecânica”, os soldados ficam horas e horas com as pálpebras abertas assistindo milhares de cenas de pura violência. Desde um dedo cortado numa serra elétrica até chacinas de famílias inteiras. Ao fundo, sempre música agradável. A idéia aí é tornar a morte provocada uma coisa absolutamente banal. Sim, porque o objetivo será sempre matar. Os Rangers, por exemplo, aprendem a matar com facas, cadarços de botinas, pontas dos dedos. Até mesmo uma folha de papel pode ser transformada numa eficiente navalha.
É lógico que o Talibã não dá moleza, como também os vietcongues não davam. Uma das táticas de terror mais conhecidas dos mujahedins é a de cortar um braço do capturado e deixá-lo morrer sangrando na beira da estrada.
A troca de gentilezas não se limita aos campos de batalha. Não, senhor. Informação é tudo e deve ser conseguida. A tortura que inflige dor ainda é o melhor recurso para amedrontar. Mas, para que os passarinhos cantem, o buraco hoje em dia é muito mais embaixo. A técnica de suplício que vem sendo muito aprimorada é a da Inabilitação Sensorial. Imagine você, uma pessoa asseada, sendo colocado numa cela clara, limpa e com muita comida num frigobar. Não entenderá nada até descobrir que o vaso não tem água, nem a pia, nem o chuveiro. Também não há papel higiênico ou mesmo um lençol para rasgar e fazer de. Não há uma lixeira sequer. Toda a água que recebe, no final do dia, um litro, mal dá para matar a sede. E a cela fica como está até que , três dias depois, vem o interrogatório. Seu estado de higiene é dos mais miseráveis. Os interrogadores – belas e perfumadas mulheres se você for homem e vice-versa – deixam claro que você está um lixo. E então acontece a interminável sessão de perguntas. Qual é o limite de resistência de alguém que está se sentindo literalmente uma merda? Esta é apenas uma das formas. Há várias outras sendo desenvolvidas e bancadas pelo complexo industrial-militar, com forte participação das melhores universidades dos EUA, Inglaterra, França, Japão e Alemanha.
Barack Obama parece mesmo um bom homem. O problema é que ele ocupa um cargo que não dá muito espaço para idéias independentes, por melhores que elas sejam. Seu papel histórico será definido muito mais por resultados práticos. E, certamente, não passa por sua cabeça deixar uma imagem de negro fraco que não soube honrar os heróis de um nação que ganhou dimensão de liderança por saber dominar povos e países.
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