Fosse hoje, com toda a certeza, Ernest Hemingway não ganharia mesmo o Nobel de literatura. As milhares de ongs ambientalistas não deixariam. A GreenPeace cortaria o saco dele com estilete. Com toda razão. Hemingway adorava as touradas espanholas, era um aficionado por caça de animais selvagens e ficava dias em alto-mar tentando cravar um anzol na boca de um marlim azul. Via apenas arte em tudo isso. Nada mais que uma luta entre a força primitiva e instintiva contra a destreza e inteligência do ser humano.
Uma visão míope, pra não dizer boçal.
Tourada, caça e pescaria são esportes covardes, se é que se pode chamar essas merdas de esportes. O confronto não é igual. O touro, por exemplo, nunca luta com toda sua força. Mal entra na arena e os picadores o atacam com lanças para que ele sangre e baixe a bola; entre os intervalos de olés, os bandarilheiros aparecem e cravam farpas em suas costas para que o bicho sangre ainda mais e enfraqueça de vez. Seu destino será sempre a morte, ainda que acerte o chifre no toureiro que o desafiou. Já a caçada africana, que EH usou como pano de fundo em “As Neves do Kilimanjaro”, misturava sacanagem com o mais puro espírito colonialista. Hemingway caçava numa época em que os africanos chamavam os brancos de bwana. O ritual típico do safári daqueles tempos começava com duas dúzias de crioulos baratos adentrando a mata e batendo tambor para espantar o animal - geralmente um leão – até o ponto de ser alvo fácil para o rifle do caçador. Daí, pimba, um tiro e o bicho estava no chão – prontinho pra ter a cabeça cortada e enfeitar o salão de troféus do sem-vergonha. Quanto à pescaria de marlim, os lindos saltos que o peixe dá sobre a superfície da água nada mais são que o desespero de um ser vivo para tentar continuar existindo.
Restrições pessoais registradas, Ernest Hemingway é o melhor e mais fascinante escritor que habita minhas estantes. Confessou ter tentado - e jamais conseguido - produzir um texto tão elaborado e exuberante quanto o de William Faulkner. Bebia de ficar torto e aprontava de vez em quando nos bares da vida; mas nem de longe era um rato de esgoto como Charles Bukowsky. Lutava boxe com pinta de profissional; mas nunca foi tão bom de porrada quanto Norman Mailer. O bom mesmo de Ernest Hemingway é que ele somava um pouquinho de cada gente interessante do mundo da literatura. O resultado disso deu nafigura mais fascinante do século passado.
EH não aprendeu a escrever bem na escola. Fugiu de casa só pra não ter que estudar. Fazer faculdade nunca entrou nos seus planos. Partiu direto para ganhar vida escrevendo em jornais vagabundos. Aliás, jornal, para ele, significava ir atrás do que estava acontecendo. Foi assim que passou toda a vida. Essa base de conhecimento e prática criou um certo estilo jornalístico nos seus romances. Alguns diriam "ranço". Acontece que, se foram mesmo textos jornalísticos, foram os melhores que já deliciaram o mundo. Havia algo de muito sofisticado nas garatujas e muito disso se deve à amizade, ainda jovem, com Gertrude Stein, em Paris. Gertrude revisava os escritos de Hemingway de maneira impiedosa. E ele assimilou cada correção. Viveu todas suas ficções na prática. Cada livro de EH tem um quê de experiência vivida. Se descreve as dores de um ferimento, é porque sentiu cada centímetro de dor quando foi atingido por estilhaços de bomba - na primeira grande guerra, na guerra civil espanhola, na segunda guerra mundial, sempre esteve no campo de batalha.
Como amigo, Hemingway, além de bom papo, era um bom filho da puta. Durante uns dois anos, comeu a mulher de um dos seus mais chegados confidentes - sem qualquer culpa. Mas, o que é pior, foi filho da puta com ela também. Depois de muito se lambuzar, deu aquela de cafajeste bom caráter: volte-para-o-seu-marido-porque-ele-é-o-melhor-pra-você-porque-eu-não-valho-nada-etc. Típico. Mas assim era EH. Nada importava a não ser a inspiração de escrever.
E foi exatamente por não ter mais inspiração de escrever que Hemingway se suicidou.
Num determinado dia, ele ajeitou o papel na máquina e... nada veio. Encheu a cara de uísque e tudo continuou na mesma. Não ter o que colocar numa folha branca era insuportável demais. Não havia mais saúde e energia para tentar viver situações novas.
Viver, então, pra quê?
Não há do que se espantar, não é mesmo?!Hemingway era humano... Demasiado humano!
ResponderExcluirSe vc gosta de Hemingway, irá adorar Isaac Babel e sua Cavalaria Vermelha. A brutalidade crua da guerra está lá, de forma obscena, em um texto enxuto e cru. Coisa pra macho (ao fundo, Village People cantando: Macho macho man...)
ResponderExcluirSugestão anotada, meu mestre.
ResponderExcluirMas acho que no próximo posto eu vou falar (e mal) é de um viado: Cazuza.
Mas, péra aí, ô que provoca: Teu macho predileto não era o Jack Kerouac?
ResponderExcluirKerouac era o meu predileto mas não macho. Trepava com homens e mulheres. E, segundo Gary Snider, muito melhor com homens.
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