Um Festival de Rock em Duque de Caxias?


Estudávamos na Escola Técnica Federal (o atual CEFET), em 1972, o Eduardo e eu. Tínhamos então 15 anos de idade e cursávamos o primeiro ano do curso de eletrônica. Ficamos sabendo (não me lembro como, mas provavelmente pela adorada rádio Federal de Niterói, que a gente então ouvia mal e porcamente num radinho de pilha) que ia rolar um grande festival de Rock em Caxias, reunindo a nata das bandas e artistas da época. Partimos então eu, o Eduardo e um outro colega da turma, conhecido por Paulo Chincha, rumo à remota cidade fluminense, num domingo pela manhã, eu guiando os outros, por ser o único que sabia como chegar lá de ônibus. Para quem estranhou o apelido do outro Paulo, me vejo na obrigação de testemunhar ser ele inteiramente injusto, do ponto de vista substantivo. O Chincha não chinchava, em absoluto. Mas a aparência dele, longe de atestar isto, conferia mesmo uma certa credibilidade a quem o apelidara...

Vestidos no rigor da moda roqueira setentista, cabelos abaixo dos ombros, camisetas, jeans e tênis surrados, chegamos ao local do evento, o portentoso (!) Estádio Municipal de Duque de Caxias, popularmente conhecido como Maracanãzinho. O público, uma decepção, talvez umas mil pessoas e olhe lá. Eu esperava mais, pelas atrações anunciadas.

O palco estava montado, mas o público reduzido e a demora para o início dos shows fizeram com que a gente duvidasse se haveria mesmo o Festival. Mas acabou rolando, e foi histórico.

    

Lembro de ter assistido à apresentação de bandas como Sá, Rodrix & Guarabyra (o primeiro LP deles saíra em 72 e foi o primeiro disco que eu comprei na vida), o Terço (na época, ainda um trio) e os Brazões (que era a banda que acompanhava Gal Costa nos shows). Só que a minha memória, como é do conhecimento dos amigos, é, manifestamente, uma bosta. Tenho recordações nítidas de coisas que nunca aconteceram e esqueço completamente coisas que fico sabendo, por outras fontes, que vi. Nessa twilight zone de lembranças fantasiosas, lembro de termos assistido a shows de Fagner, da Bolha e dos Mutantes, ainda com Rita Lee. Pesquisando na internet sobre o festival (ver citações abaixo) vi que estes últimos não constam da relação dos artistas que se apresentaram no dia.

Segundo o site Culturama Uff (http://arquivoculturamauff.blogspot.com/2007/11/o-rock-brasileiro-dos-anos-70-alvaro.html):

"o festival “Dia da Criação”, que aconteceu em outubro de 1972 no Estádio Municipal de Duque de Caxias, RJ. O evento, organizado por Marinaldo ― empresário do Módulo 1000 e um dos principais “agitadores” do rock na época ― reuniu cerca de duas mil pessoas, e teve como atrações Sá, Rodrix & Guarabyra, Milton Nascimento & Som Imaginário, O Terço, Os Brazões, Karma, Sociedade Anônima, Módulo 1000, O Grão, Diana & Stul, Liverpool, Jards Macalé, A Gosma e Faia. Muitos destes artistas não chegaram a deixar nenhum registro gravado."

A revista eletrônica Senhor F confirma os artistas, em um artigo sobre a banda Faia (http://www.senhorf.com.br/revista/revista.jsp?codTexto=3259):

"A banda (...) foi escalada para participar de um festival de rock no Estádio Municipal de Duque de Caxias, RJ. Um dos seus idealizadores era o empresário do Módulo 1000, Marinaldo. "Ele era muito louco. Um dia apareceu dizendo que ia fazer um Woodstock", lembra Cláudio. E, de fato, fez. Não daquela magnitude, evidentemente. Mas o 'Dia da Criação', como foi chamado, foi um dos mais importantes festivais de rock já realizados no Brasil naquela época. Infelizmente, um tanto esquecido pela história. (...) Dessa "explosão de som ao ar livre", como constava nos antigos panfletos de divulgação, participaram Sá, Rodrix & Guarabyra, Milton Nascimento & Som Imaginário, O Terço, Os Brazões, Karma, Sociedade Anônima, Módulo 1000, O Grão, Diana & Stul, os gaúchos do Liverpool Sound (então estacionado no Rio), Macalé, A Gosma e o Faia, entre muitos outros. (...) cada grupo levou o seu equipamento, transformando o palco num verdadeiro labirinto de amplificadores, caixas, guitarras etc. Além do mais, todos os amplificadores foram ligados em série. A coisa toda impressionava, em especial as duas enormes paredes de caixas de som, uma em cada lado do palco. "Mas ninguém queria abrir o show", conta o guitarrista. "Até que O Terço resolveu encarar. Quando surgiram no palco, o povo todo se levantou e foi ao delírio. Uma loucura!".

Portanto, não guardei nenhuma recordação da apresentação de Milton Nascimento e o Som Imaginário (!), nem de Jards Macalé, com certeza artistas da mais alta importância na época. Gostaria de lembrar dos shows do Karma e do Módulo 1000, mas...

De qualquer forma, foi a mais impressionante coleção de shows que eu tive o prazer de ver em um único dia. Voltamos felizes para casa. Seria ótimo cotejar estas minhas lembranças com o que ficou na memória do Eduardo. Aí, Duda, manifeste-se!

Comentários

  1. Isso tudo era muito gostoso.
    Já vi o Fagner (quando o Fagner era "o" Fagner) cantando nos pilotis da PUC para umas 50 pessoas.
    O Gonzaguinha, ali, também, deu um show à noite para uns trinta gatos pingados.
    Em 1972 tinha um programa itinerante na TV chamado "Som Livre Exportação". Em Brasília, fiquei na turma do gargarejo vendo Elis, Mutantes, Taiguara etc.
    Muito legal reviver essas coisas.

    Beijo

    ResponderExcluir
  2. Nossa, Patá, que memória fabulosa você tem! Só me lembro mesmo do Fagner cantando 4 graus. A rádio Federal era, de fato, uma ilha enciclopédica em matéria de música alternativa, e certamente inspirou a fabulosa Eldo Pop um ou dois anos depois. Mas era AM, pois naquela época não havia FM e nem receptores FM.
    Por falar nisso, e o nosso rádio AM "rabo quente", a válvula, montado no laboratório de eletrônica como trabalho final de 1º ano?

    ResponderExcluir
  3. O meu funcionou, umas semanas, antes de parar e nunca mais ser consertado. Depois, como vc bem sabe, dedicamo-nos bem mais ao aprendizado de xadrez e pingue-pongue...

    Mas vc só lembra do Fagner? Dos Mutantes não? E do Gonzaguinha? Sérgio Sampaio? Raul Seixas? Eu queria separar o que foi fato do que foi fantasia minha...

    ResponderExcluir
  4. Legal o post amigo. Como disse o Alípio estas lembranças nos faz reviver estes momentos gostosos daquele tempo. Tb vi Fagner e Gonzaguinha na PUC cantando para alguns gatos pingados. Dos grupos, gostava muito do Veludo e do Vímana (de onde saiu o Lobão), que vi tocar no Teatro Ipanema lá em 1981 ou ainda antes disso. Beijo!

    ResponderExcluir
  5. É meu velho... eu tbém estive lá, e como vc, só me lembro, quase como um sonho, do Fagner cantando seu clássico "Cavalo Ferro", lançado em compacto na época... do Módulo Mil com o clássico "Não Fale com Paredes"
    de gente acampada no gramado e a tropa policial assistindo tudo da arquibancada...chegamos lá no trem da Conexão Japeri"... O evento foi anunciado no jornal "Rolling Stones" que durou pocas edições...

    ResponderExcluir
  6. Hoje ouvindo o Terço lembrei desse dia. Foi inesquecível. Fiz até um vestido novo pra ir ao festival.Estava eu lá toda de rosa longo e todo bordado de lantejoulas Pink. Lembro de cada detalhe desse festival. Serguei cantando With a little relp my Friends.parou no meio da música pra pedir um pouco d'água pois a boca estava muito seca. Saudades!

    ResponderExcluir

Postar um comentário