ON THE ROAD


Embora já nem eu acredite de verdade nisso, ainda uso muito um passado de rebeldia juvenil como grande culpado por não ter juntado o meu primeiro milhão de dólares. Quando fui um pretensioso marxista-leninista, universitário típico, torci freneticamente para que a tal Revolução acontecesse antes da formatura. A perspectiva de ter de ir à luta, arrumar um emprego com patrão, tudo aquilo me arrepiava. Virar empresário, então, isso estava completamente fora dos planos. Eu simplesmente não sabia como ia funcionar esse negócio de ter de ganhar a vida pra valer. E. pra falar a verdade, até hoje tenho sinceras dúvidas se aprendi.

Do fundo da alma, o que sempre me fascinou e atraiu foi a alienação consciente. Aquilo que os americanos chamam “drop-out”, o “cair-fora-porque-este-mundo-não-me-serve”. Aos vinte e tantos anos, três depois de acabar o curso da arquitetura - e um de me livrar de um casamento pessimamente planejado - por mais ou menos um mês, experimentei a felicidade do pé na estrada. Mochila nas costas e alguns trocados no bolso, devo ter rodado uns mil quilômetros entre Goiás (onde morava), Minas e parte da Bahia. Evitei as capitais. Conheci Goiás Velho, Pirenopolis, Paracatu e um monte de outras cidadezinhas deliciosas. Não comprei uma só passagem. Comi da boa e da melhor comida caseira e poucas vezes tive de pagar por isso.



Não sei se as táticas daqueles tempos serviriam para os dias de hoje. Mas aí vão algumas dicas se alguém aí tem filhos ou sobrinhos candidatos a andarilhos - é coisa pra garotada, esqueça essa merda se passou dos quarenta.

Esticar o dedo para pedir carona no acostamento só funciona em caso de desespero. Será quase impossível que carros de passeio encostem e levem mochileiros. Com sorte, na dedada, terá de viajar por um bom tempo numa carroceria desconfortável. O melhor mesmo é ir pulando de posto em posto de gasolina, de preferência daqueles onde param muitos motoristas de caminhão. Carreteiro é uma classe escaldada e ótima de papo. Eles farejam direitinho se você é ou não gente boa. Conheci quem nem me respondesse ao “bom dia”; mas tambem achei quem me pagasse o almoço e arranjasse pernoite em troca de pequenos trabalhos.

Outra coisa importante é nunca dizer que está sem rumo. Invente um objetivo qualquer e sempre haverá alguém para dar uma mão. E o fundamental, aí, é ter paciência chinesa. Às vezes o cara que está te ajudando tem a conversa mais monótona e é a criatura mais desinteressante do mundo. Mas pense que exatamente ele talvez seja sua fonte de subsistência para os próximos dias. Oportunismo? Claro, faz parte do jogo.

Não vou esticar, um dia publico o diário. Mas, de tudo, ficou a lição de ser perfeitamente viável viver com quase nada, além de engrossar o couro e despertar coragens de nunca imaginei ter.

Comida e cama são os menores problemas para um andarilho de ocasião. Somos um país que joga pérolas no lixo. Há sempre uma forma de trocar algo de você por coisa que alguém precise. Claro que é muito importante saber e topar fazer algo útil. Trocar um pneu, instalar uma porta, pintar uma parede, desentupir uma privada e até tocar um violão pode garantir vida boa e farta por um razoável tempo. Até mesmo uma terrível dor de dente pode ser tratada com mãos divinas se você oferece aquilo que o outro não sabe ou não quer por a mão. É por isso que muitos brasileiros se saem tão bem nos Estados Unidos. Lá, qualquer um manda suas delicadas vergonhas pra pqp e aceita de bom grado lavar pratos gordurosos por dez horas seguidas.

Falar em EUA, diferentemente do que aconteceu lá no boom do drop-out da juventude, não conheci qualquer garota na estrada se aventurando como caroneira. Foi um balde gelado na minha maior fantasia. Sonhei que ia pintar um amor na aventura. Se bem que até aconteceu uma paixão caliente por uma dessas profissionais de rodovia. O que era inevitável já que, no fundo, sou um incontrolável sentimental.

Mas, de maneira geral, em relação às mulheres, a velha e preconceituosa lógica prevaleceu.

Pé-na-estrada é coisa pra homem.

Neste Brasil lindo que poucos conhecem, há muito espírito de talibã entocado e pronto para atacar.

Comentários

  1. Adorei o tema. Até ilustrei com uma imagem tirada da internet. Também já vivi meus dias de estrada, andei por várias cidadezinhas de Minas atrás de festivais de rock nos anos setenta. Elói Mendes, Varginha, Monsenhor Paulo, São Lourenço, estive em cada uma delas. Em Duque de Caxias (tão perto e, na época, tão distante) e Cruzeiro, na divisa com S. Paulo, também. Nunca fui sozinho, porém, ao contrário de você. E era mais novo, quando comecei a sair, do que você (Eu ainda estava no ensino médio). Nunca peguei carona na estrada, também, só em estradinhas vicinais, por trajetos curtos. Depois vou postar uma das histórias que aconteceram comigo...

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  2. Estou doido pra ouvir sua história, Patah. O texto pretendeu dar um start em vários temas que inundaram nossa juventude.
    Inclusive aquela idéia de formar uma comuna em Nova Friburgo.
    Acho que todos por aqui têm alguma coisa pra contar.

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  3. Conseguir se estar conscientemente alienado, é bom...demais!!! Precisamos aprender!
    O corpo aqui e a cabeça lá! Criar. Amenizar o diariamente, o repetidamente.
    Só que a preconceituosa lógica está perdendo o sentido. Mulheres mães,reprodutoras,cuidadoras..(graças), estão menos. Estão mais curiosas, mais felizes, mais estudiosas, pesquisadoras, usufruidoras da satisfação.
    Pé-na-estrada está ficando bom pra elas também!

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