Quando comecei minha última faculdade, em 2005, me interessei em folhear certas comunidades do Orkut até então não visitadas. Entre uma olhada e outra, achei esta passagem, que considerei muito instrutiva, pois na época estava com um estranho professor de latim. Tomo a liberdade de transcrever aqui trecho da passagem que já havia registrado. Ignorem-se diferenças de grafia e de fontes. Perceba-se que os participantes são autoridades de Portugal e do Brasil, além de estudantes.
José Dejalma
VOCABULÁRIO SEXUAL LATINO 21/06/2005 12:32
Este tópico se destina a discutir, com a maior seriedade, os vocábulos latinos referentes à vida sexual em Roma. Trata-se de termos que não se ensinam na escola e que, geralmente, são omitidos nos dicionários escolares. Aceitam-se comentários, acréscimos, perguntas, etc.
José Dejalma
futuere X pedicare 21/06/2005 11:48
Começo por esses dois verbos: "futuere" e "pedicare". Ambos significam "foder" (não no sentido de "prejudicar (alguém)", mas no de "penetrar", "comer", "meter".
Há, porém, uma diferença entre eles:
"futuere" (do qual resulta o português "foder") diz respeito exclusivamente à penetração vaginal, ao passo que "pedicare" só se emprega quando se trata de penetração anal.
Portanto, o verbo "futuere" só pode ter como complemento "mulher". Por ex: Dominus ancillas futuit.
Já o verbo "pedicare" pode ter como complemento "mulher" ou "homem". Por ex: Pueros et puellas pedicas.
Ocorrências em todos os textos latinos que nos chegaram:
"futuere" =54 ocorrências, assim distribuídas:
Marcial (50 ocorrências); Catulo (2 oc.); Horácio (1 oc.); Priapea (1 oc.)
"pedicare" = 27 ocorrências, assim distribuídas:
Marcial (18 ocorrências); Priapea (5 oc.); Catulo (3 oc.); Décimo Labério (1 oc.)
Se alguém se interessar por alguma ocorrência em especial é só pedir.
André
Eu propus uma cadeira de literatura erótica latina, na reestruturação do curso de Clássicas na Universidade de Lisboa. O nome é anacrónico, mas com a gravíssima crise demográfica portuguesa, que deixa as escolas e faculdades desertas, qualquer nome mais apelativo vale. Espero que seja aceite (deve ser), e eu mesmo gostaria de a dar. Claro, Marcial seria o prato forte. Mas também e sobretudo os "graffiti" de Pompeios (erradamente traduzido por "Pompeia" muitas vezes), que foi por onde eu mesmo aprendi praticamente todo o vocabulário sexual latino.
É que assim evitavam-se situações embaraçosas, como a daquela menina que preparou uma aula com um texto de Catulo em que aparecia "mentula" personificada (e portanto com maiúscula), e ela achou que era um nome próprio. Ou a de outra aluna (esta era minha) que no seu trabalho final ilustrava uma das páginas com um "cartoon" em que aparecia de novo a palavra "mentula" ("mentulae caput", era uma coisa americana), e que ficou muito atrapalhada quando lhe expliquei que não poderia apresentar aquilo a uma turma de adolescentes.
Estes casos ocorreram com alunas licenciadas. Além de latim para os alunos da licenciatura eu também dou formação pedagógica aos alunos licenciados que vão ensinar latim aos adolescentes.
André
Lembrei-me de que não estou a falar com portugueses, e que certamente não sabem o que se passa com a demografia portuguesa (e europeia): a população europeia há vários anos que deixou de ser renovada. Isto é, nascem muito menos pessoas do que as que morrem. A taxa de natalidade é inferior a 1 filho por casal, em média. Consequência: uma população muito envelhecida, graças ao aumento da esperança de vida, e sem jovens. Até o avançado sistema social europeu entou em ruptura, pois já são tantos os aposentados como os trabalhadores, e a tendência é dentro de pouco tempo serem muitos mais os aposentados do que os trabalhadores.
A crise nota-se muito nas escolas. Como não nascem crianças, as escolas estão vazias. A escola onde estudei dos 12 aos 17 anos tinha mais de 7000 (sete mil) alunos, em finais dos anos 80. Agora tem pouco mais de 500 (quinhentos). Por todo o lado há escolas a fechar, sobretudo no campo. Mas mesmo em Lisboa algumas das escolas mais prestigiadas começam a fechar.
Nas faculdades o problema já chegou há algum tempo, também. Quando entrei como aluno na Universidade de Lisboa, as salas estavam cheias, não havia espaço, a faculdade fervilhava de gente. Agora ficam todos os anos dezenas de milhares de vagas por preencher em todo o país, e as salas estão vazias. Uma das minhas turmas tem 6 (seis) alunos. Até se entende, porque é um horário nocturno. Mas nesse mesmo horário há 6 anos eu ainda conseguia ter 30 (trinta) alunos.
A situação é gravíssima, e só não é pior ainda porque os imigrantes africanos, brasileiros e eslavos têm dado uma ajuda. E as minhas turmas só não são menores porque já começo a ter alunos imigrantes, também (brasileiros, africanos, eslavos, por esta ordem).
Por isso entendem a urgência de dar nomes apelativos às cadeiras...
José Dejalma
Caro André 21/06/2005 13:41
Propus este tópico por julgar importante a divulgação dessa parte da cultura Romana quase sempre desprezada, mas de forma alguma desprezível. E este me pareceu o lugar mais adequado, pois, afinal, aqui temos mais de 3000 "alunos".
Quanto a indicação das ocorrências, faço a pesquisa especialmente para este tópico (não me é difícil, pois tenho todos os textos latinos no computador), mas devo informar que o "Corpus Inscriptionum Latinarum", onde estão os "graffiti", não está sendo consultado.
Salvatore
Que coisa! 21/06/2005 14:22
Confiteor Deo omnipotenti... mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa...
José Dejalma
fellare X irrumare 21/06/2005 16:09
Para expressar o sexo oral praticado no homem, há dois verbos em latim: "fellare" e "irrumare".
"Fellare" significa "chupar o membro viril";
"irrumare" significa "fazer (alguém) chupar", "dar o membro para ser chupado".
Portanto, o sujeito de "fellare" pode ser "homem" ou "mulher"; já o sujeito de "irrumare" só pode ser "homem". O complemento de "fellare" só pode ser "homem".
Ocorrências:
"fellare" = Marcial (11 oc.);Catulo (1 oc.)
"irrumare" = Marcial (5 oc.); Catulo (5 oc.); Priapea (5 oc.)
Nota: Varrão emprega duas vezes o verbo "fellare", no sentido de "mamar", sem conotação sexual:
lac humanum fellasse [ter mamado o leite humano] e
lupam fellarunt [mamaram na loba (referência a Rômulo e Remo)]
André
O que eu acho divertido no CIL é que muitas vezes há imagens a acompanhar. Uma vez fiz uma "visita de estudo" com alguns alunos à biblioteca da faculdade, para folheá-lo. Infelizmente não conheço nenhuma versão digitalizada.
João
Dúvidas 22/06/2005 15:38
Este tópico se destina a discutir com a maior seriedade os vocábulos latinos referentes à vida sexual em Roma. O tema parece ser bem interessante, mas demanda alguns esclarecimentos e alguns cuidados que assegurem a seriedade autodemandada.
Os exemplos vocabulário mencionados até o momento (futuere, pedicare, fellare e irrumare, bem como mentula) designam, com exceção do último, práticas ou atividades sexuais. É certo que futuere possa ter, por equivalente português a descrição não exclusiva, “comer, não enrabando, uma mulher” e pedicare, a descrição também não exclusiva, “enrabar alguém”. O que realmente parece estar em jogo não é, na verdade, um vocabulário sexual (ou de atividades ou práticas sexuais), mas sua equivalência em língua materna, no nosso caso a língua portuguesa e, sobretudo, a repercussão (vanguardismo, atualidade, anacronismo, adequação à espécie ou gênero textual, reprodução de nível de fala, denotação, conotação, etc.) de que tal equivalência seria capaz. Esta observação inicial permite uma questão também preliminar, com a consideração hipotética de que “latino” seja igual a “de Roma”: os romanos (e os latinos) utilizavam todos esse mesmo vocabulário sexual, sem distinção de época ou de estrato?
É sabido de todos que, na língua comum e, por que não?, na literária, grande parte dos termos ligados ao que é aqui chamado de vocabulário sexual, passa pelo viés da metáfora ou do eufemismo, tanto em latim, como em português, como em qualquer língua natural. Metáforas e eufemismos são procedimentos produtivos e motivados pelas mais diversas razões; no que se refere ao vocabulário sexual latino, tais motivações estariam respeitadas pelo seu equivalente português?
Caio Alexandre
Perdão, mas não entendi... 22/06/2005 16:14
Foi dito no tópico anterior que "Fellare" significa "chupar o membro viril" e que "O complemento de 'fellare' só pode ser 'homem'". Veja, ou eu interpretei mal a palavra complemento (para mim seria a pessoa a chupar, passiva, e, nesse caso, podendo ser homem ou mulher) ou as coisas foram colocadas de maneira dúbia, pra dizer o mínimo sobre o tópico.
Quero salientar que sou iniciante no assunto da língua latina e, em função disso mesmo, agradeceria o esclarecimento.
Obrigado.
José Dejalma
João 22/06/2005 19:23
Você tem razão. Acho que estou "atenuando" demais a tradução. Os termos que apresentei, bem como os que pretendo apresentar, são totalmente desprovidos de qualquer eufemismo. São termos crus, obscenos, cuja ocorrência só se dá nos epigramas satíricos de Catulo e Marcial e em uma sátira de Horácio (I,2). Por isso lhe dou razão: o equivalente vernáculo tem de manter essa "crueza". Ou seja, como você mesmo sugere:
futuere = meter na boceta...
pedicare = meter no rabo...
fellare = chupar o pau...
irrumare = dar o pau para ser chupado...
José Dejalma
Caio 22/06/2005 19:29
Você interpretou mal a palavra complemento. A pessoa que "fellat", chupa, é o sujeito do verbo, não o complemento.
Elton
O tempora! O mores! 22/06/2005 20:05
Tamen... et ab his eruditio fertur. Ergo:
"Irrumator" é um tremendo insulto usado por Catulo, mais específico que simplesmente "viado" por afirmar que o insultado é um "viado chupador de pau". Acho que não chegamos a esse requinte de clareza em nenhum insulto vernáculo atual.
Outro insulto forte, também imortalizado por Catulo, é "Pedicabo ego vos et irrumabo". Tão feio quanto "Meu pau no teu cu", mas mais forte, e ainda complementado por "E depois você vai me chupar".
Para terminar, ela: "cunnus". "Buceta" ou "boceta" podem traduzir bastante bem esta que é apenas uma palavra chulinha, da qual provém o elegante termo técnico "cunnilinguus", assim mesmo, com dois enes e dois us.
Corrijam-me os mais versados. Muito interessante o tópico!
José Dejalma
Elton 22/06/2005 22:20
Você se engana em relação ao "irrumator" (Catulo, 10, v.12). Não é "viado chupador de pau", mas um "fode-boca" (a tradução de "irrumare", "irrumator" é sempre difícil).
Quanto ao insulto "pedicabo ego uos et irrumabo" (Catulo, 16, v.1), você está certíssimo: temos os verbos pedicare e irrumare no futuro: "Vou meter no cu de vocês e fazê-los chupar-me"
José Dejalma
cunnum lingere 22/06/2005 21:32
Para expressar o sexo oral praticado na mulher, o latim se vale de uma lexia complexa: "cunnum lingere".
"lingere" significa "lamber" e pode ocorrer sem conotação sexual, por ex. "digitos lingere" (lamber os dedos).
"cunnus", subst. masc. de tema em -o-, é o termo que designa a genitália feminina. Seu equivalente vernáculo é "boceta". Na expressão, está no acusativo, evidentemente.
Ocorrência:
A lexia "cunnum lingere" tem cinco ocorrências, todas em Marcial.
Ocorrem também:
"lingere puellam" (chupar a garota) em Marcial;
"lingere mentulam" (= fellare) em Marcial;
"lingere culum" (lamber o cu) duas vezes em Catulo.
José Dejalma
mentula, cunnus, etc. 24/06/2005 19:34
mentula
- s.f. de tema em -a-: designa o membro viril. Equivalentes vernáculos= caralho, pau, pica, vara, etc.
Ocorrências: Catulo (8); Marcial (49)
cunnus
- s.m. de tema em -o-: designa a genitália feminina. Equivalentes vernáculos= boceta, xoxota, etc.
Ocorrências: Catulo (1) [mulae cunnus, 97, v. 8 = boceta de mula]; Marcial (31); Horácio (3) [fuit ante Helenam cunnus belli causa, Sátiras, I,3,v.107 = antes de Helena, a boceta foi causa de uma guerra]
culus - s.m. de tema em -o-: equivalentes vernáculos: cu, rabo, etc.
Ocorrências: Catulo (6); Marcial (16); Fedro (1)
mamma - s.f. de tema em -a-: equivalentes vernáculos= teta, peito, etc.
nates / clunes - ambas são s.f. de tema em -i-, empregadas geralmente no plural. Equivalentes vernáculos: nádegas, bunda.
Ian
está correto "futuebo ego vos et irrumabo" como se fosse (vou meter na sua buceta e fazê-los chupar-me)?
André
"futuam". Os verbos da 3ª conjugação fazem o futuro em "-am, -es, -et...". Apenas os da 1ª e 2ª fazem em "-bo, -bis, -bit...".
(Estou propositadamente a ignorar as questões de morfologia histórica e a misturar marcas com desinências)
André
portanto, seria "futuam uos et irrumabo" (o "ego" é redundante, o verbo já indica a pessoa).
Caio Alexandre
plus 31/10/2005 09:38
ancillariolus
cinaedus
culeus (culleus)
culus
cunnus
follis
pathicus
pedicator
sopio
testiculum
vagina
veretrum
verpa
Salvatore
Fedro 31/10/2005 14:16
O quanta species, [...] cerebrum non habet!
Ian
Como poderia dizer "Gostei muito (ou adorei) transar com você"?
Carmen
Não chega a ser propriamente sexual 02/11/2005 13:14
Diria um tanto escatológica, mas esta fábula de Fedro (Canes Legatos Ad Iovem, 4,19) explica por que os cães cheiram os cus uns dos outros.
(CHORANDO DE RIR)
ResponderExcluirFantástico. Só mesmo você, Eduardo, pra mandar uma dessas...
Esse é o Dudu...indispensável como futuere, pedicare e irrumare! Fellare nunca!
ResponderExcluirCara, esse tal Irrumator parece nome de herói mutante tipo X-MAN! Nesse caso, nosso heroi (quer dizer de vcs) seria um tremendo viado chupador de pau! Risos por favor!
Dudu,dúvidas: poderia lingere (lamber) ter alguma relação com lingerie, lá nos primórdios?
ResponderExcluirNão, Ernani. Leia com cuidado. O seu herói mutante na verdade estaria mais para vilão. Irrumator não chupa! Irrumator força os inimigos a chupá-lo. E não importa que eles sejam homens ou mulheres. Portanto, seu herói mutante não seria necessariamente viado.
ResponderExcluirAliás, vc bem que poderia ilustrar o post do Eduardo com uma concepção artística do dito Irrumator.
Ok, Patah, obrigado pela correção. Curioso que li com atenção e que se vc observar bem meu segundo comentario contradiz o primeiro que está correto. Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa... Puxa! Esse novo mutante fode-boca não me é tão simpatico quanto o outro. Muito machista e muito óbvio! Imagine-se agora as possibilidades potenciais do outro: um grande herói aclamado por todos, defensor dos fracos e dos oprimidos e que, em sua identidade secreta, é um tremendo viado chupador! Que máximo!
ResponderExcluirSEm dúvida de uma profundidade intensa o texto, e os comentários então muitíssimo ilustrativos.
ResponderExcluirFaltaram as ilustrações, kkkkkkkkkkkkk.
Bjussssssssssssss.
Concordo com a Cassinha, para os leigos, como eu, que nunca estudou latim, poderia entender melhor, com ilustrações a respeito.
ResponderExcluirAgora, muito interessante o post, Eduardo.
Quero ver a criatividade do desenhista...
beijos
Porra, ninguém levou em conta que minha contribuição era séria... séria pra caralho! Ôpa, também não exagera que o post é sério pra caralho... ôpa ne novo!
ResponderExcluirSe não for querer ser exato demais, diria que a última partícipe do contubérnio, a Carmen, falou em cães e cus, o que remete a latido, digo, latim e aCUSativo, que herdamos como base de nossa (cunni)língua vulvulgar.
Agora, aos comentários (coMENTULArios):
Ernani, meu querido, por que não fellare? Desde que não seja você fellando, e sim sendo fellado... latinismos afiados (e não "ah, viados")
Cassinha, essa tal profundidade intensa é suspeitinha (infelizmente, ôpa, não são sus peitinhos))
Mariliazinha, concordo com você em número (no mínimo 2), gênero (também 2) e santo grau (ai!)
Acho que vou começar a estudar latim...
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