A fundação do glorioso Formiga Esporte Clube



A rua Taborarí, em Brás de Pina, tinha tradição no popular esporte bretão.  Durante muito tempo, manteve um esquadrão ativo nos inúmeros campos de futebol existentes na época entre Vigário Geral e a Penha.  Estes campos, e os dos outros subúrbios da cidade, não existem mais e, com eles, desapareceu o futebol de várzea do Rio.  Mazela da urbanização acelerada e desregrada.  Mas eu falava dos times de futebol da  Taborarí.

O primeiro que acompanhei, não lembro o nome, tinha meu tio Jaime na ponta direita e usava uma camisa verde-amarela como a da seleção brasileira.  Me lembro de acompanhar, bem menino, alguns jogos, sempre atrás do gol do goleiro Ernesto. Ele era o melhor amigo do meu tio na época, mas um goleiro assim, como direi, meio por sobre o mais ou merda.  Bola pelo alto era saco, com certeza.  A geração seguinte manteve a tradição e mudou a camisa. Foi-se o amarelo, ficou o verde.  Adotando o nome da rua, o Taborari Esporte Clube manteve-se na ativa por muitos anos, revelando jogadores do porte de um Walcir, atacante driblador e individualista; um Quito, armador com grande visão de jogo; um Marquinho, ponta veloz, com um chute tão forte quanto descalibrado; um Laércio, zagueirão pra quem tudo abaixo do pescoço era canela e que, diz a lenda, nunca perdeu um pênalti. Muitos dos garotos da nossa turma jogavam às vezes no time dos adultos, porque o principal problema no futebol de várzea sempre foi arrumar 11 para entrarem em campo.  E nós jogávamos com eles nas peladas da rua, as gerações misturadas.  Eu, particularmente, só joguei uma partida pelo Taborarí EC, como lateral direito, no campo do Ponto-Frio, lá pros lados de Vila Kosmos.  Ganhamos por dois a zero e olha que o ponta-esquerda dos caras era o bicho!

De tanto acompanhar os adultos aos jogos do Taborarí, nós garotos resolvemos fundar nosso próprio esquadrão.  A falta completa de dinheiro atrasou o projeto.  Mas meu pai, que na época era representante comercial de uma marca de equipamentos esportivos, me deu um dia uma bola oficial nº 5 que havia sido devolvida por um lojista por estar ovalada.  A bola oval catalisou o processo que gerou o garboso esquadrão juvenil do Formiga EC, assim batizado em homenagem ao clube homônimo de Minas Gerais, o qual já servira de modelo para o time de futebol de botão campeão da rua.  A modéstia me impede...

Uma sofrida vaquinha nos possibilitou comprar as camisas, as mais vagabundas que havia, na rua da Alfândega.  Eram como as do Bangu, com listas verticais vermelhas e brancas.  Os calções, os que tínhamos, de preferência brancos, mas nem sempre.  Chuteiras? Nem pensar.  Vamos descalços mesmo.  E o avô faz-tudo do Serginho, nosso marrento centro-avante, contribuiu com o toque final: uma maletinha de primeiros socorros, com uma formiguinha desenhada vestindo o manto do novo time.

Minha memória, como é do conhecimento dos incontáveis leitores deste Aperitivo, é marrom e cheira mal.  Portanto, não me responsabilizo pela veracidade das informações fornecidas deste ponto em diante.  Mas o núcleo fundador do glorioso Formiga EC era composto pelo Paulo Jorge, grande goleiro; Luiz Negão, o primo do João Carlos, na lateral direita;  na zaga central, o próprio João Carlos, zagueiro do tipo clássico; eu, apelidado de Profeta, do tipo grosso, na quarta zaga; Arnaldo na lateral esquerda; Renato Aranha no meio de campo, armador de talento; Sérgio Galego, o maior fã dos Beatles que Brás de Pina conheceu, era o ponta direita; o Serginho, nosso melhor jogador, já disse, era o centro-avante.  O Paulo Jorge tinha dois primos, cujos nomes não lembro, que também jogavam, assim como vários outros astros especialmente convidados para completarem os onze.

Desde o início, nosso principal adversário era o time de adultos da Taborarí.  Dávamos trabalho aos veteranos, empatávamos a maioria dos jogos, chegamos até a ganhar algumas vezes.  Também fizemos grandes embates contra o time de uma favela próxima, um rubro-negro batizado de Águia de Prata, que nós, naquela época de pouca correção política, apelidáramos carinhosamente, em função da composição étnica majoritária deles, de Urubú de Ferro.  Sempre que o time ficava alguns jogos sem vitória, marcávamos uma partida contra eles.  O Águia de Prata, embora um time de adultos, era a negação viva da tese racista de que crioulo só servia pra jogar bola.  Eram horrorosos, bicho certo pra nós (se houvesse bicho, claro).

Como nem sempre todo mundo aparecia para o jogo, muitas vezes tive de atuar em posições diferentes.  Assim, por ser dos mais assíduos, joguei ora de lateral-direito, ora de lateral-esquerdo, ou beque-central e até mesmo, uma única vez, de ponta-direita.  Também esquentei o banco em várias ocasiões.  Depois de um tempo, mesmo sendo destro e muito pesado para a função, acabei me fixando como lateral-esquerdo do time (não tinha outro).

Nosso problema maior era a dificuldade em marcar jogos contra times de nossa idade.  Não só por serem poucos os times de garotos, mas principalmente pelo fato de termos em nossa defesa e meio-campo jogadores muito altos para a época.  Os potenciais adversários recusavam jogar contra nós alegando que nossos "gigantes"  eram gatos (no jargão, mais velhos do que diziam).  Daí que só conseguíamos marcar jogos contra times de adultos, muito mais fortes fisicamente.  Isso fazia com que os nossas partidas fossem, quase sempre, disputadas entre os atacantes deles e a nossa defesa.  Se nossa zaga era grande e forte o suficiente para suportar o embate, nosso ataque, formado por garotos mais baixos e franzinos, não via a cor da bola o jogo todo.  Desnecessário dizer que perdíamos bem mais do que ganhávamos, mas isso não tinha importância.  O importante era jogar.  E as dificuldades valorizavam muito mais as raras vitórias.

Eu adorava jogar bola.  Quando estourei meu menisco e tive de abandonar o futebol, senti muito a falta das peladas e dos rachas de domingo.  Ainda joguei um pouco de futebol soçaite, onde virei artilheiro, vejam só, jogando paradão junto ao goleiro do adversário, mas o crescente sobrepeso impediu definitivamente meus contatos com a redonda.  Mas não havia de ser nada, eu ainda tinha o xadrez...

Comentários

  1. Texto delicioso, meu amigo.
    Eu era péssimo peladeiro. Só me escolhiam se faltasse alguém.
    Mas, todos os sábados, acompanhava o meu time de várzea: o Carioquinha. Eu e mais uns cinco ou seis íamos sempre de torcida-misturada-com-segurança-e-comissão-técnica. Era divertidíssimo. Às vezes a gente entrava em campo para tomar o apito do juiz. Muitas outras vezes apanhávamos como bois ladrões.
    Bom demais.

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  2. Que bom que vc gostou. Foi sugestão da Marília, de quando eu citei o João e o Aranha na postagem sobre os marcianos. Era bom demais, mesmo. Tem um caminhão de histórias sobre os jogos. quem sabe eu posto mais alguma coisa?

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  3. Posta mais, posta mais!

    Muito divertidas as histórias d Formiga Esporte Clube; e agora meus colegas da minha geração também fundaram um time deles, que agora já não lembro o nome... um dia ainda assisto ao jogo!

    =*

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  4. Que surpresa boa, entro no blog e vejo um monte de novidades...
    Adorei seu texto Patah, faz lembrar minha infancia, com meus irmãos e os amigos da mesma rua, montando o time de futebol. logo depois, começariam a particiar dos campeonatos no Aterro todo domingo de manhã (eu era obrigada a ir). Acompanhamos isso por muitos anos.
    Quero ver voce comentar sobre a copa, que tal ?
    Escreva sempre, principalmente sobre o que gosta.

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  5. Delicioso texto Patah! Como ex-peladeiro, confirmo que as partidas de futebol jogadas nos campos de várzea dos subúrbios do Rio de nossa infância e juventude eram muito legais! As vezes pintava uma grana e meu primeiro impulso era comprar uma bola nova. Ela era meu passaporte para ser titular do time do Estrela do norte, do Méier. O campo ficava no final da Rua Adriano, onde, aliás, nasci. Beijo!

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