VALE A PENA CONTINUAR VENDO


Que eu tenha contado, foi a décima primeira vez que o TeleCine Cult exibiu a trilogia “O Poderoso Chefão”. Assisti às onze. As últimas, com um certo espírito analista pesquisador. Máfia é um tema pra mim irresistível desde a adolescência.

Os três filmes sobre a família Corleone, entretanto, não montam uma versão definitiva sobre a Cosa Nostra. A formação típica de uma “famiglia” dificilmente se dá daquela forma que o filme conta. Nem o livro de Mario Puzo em que foi baseado explora os detalhes mais importantes. “O Poderoso Chefão” é, se tanto, uma história de crime organizado - nos EUA.

A Máfia Siciliana - e a única máfia, de verdade, é a da Sicília - tem uma origem razoavelmente simpática. São mais de dois mil anos anos cravando raízes na ponta da bota italiana. Os exércitos romanos tinham especial preferência por comer o pão que os escravos sicilianos amassavam. A ilha foi, por dezenas de séculos, massacrada e humilhada, era uma invasão depois da outra: normandos, sarracenos, alemães, franceses, espanhóis. Os nativos ricos perdiam terras e bens; os pobres viam suas esposas, mães, filhas e irmãs violadas. A Santa Inquisição na Espanha foi pinto perto da ferocidade com que se instalou na Sicília. Durou uns trezentos anos e contra ela não havia qualquer meio de defesa legal. Isso acabou de vez com a paciência daquele povo. O nome “máfia” é adaptação de uma palavra árabe que significa refúgio. Daí que, nas montanhas e na clandestinidade, os “homens de honra” planejavam os revides mais atrozes, dando um troco de terror a cada ato de opressão. As palavras “vendetta” (vingança) e “omertá” (silêncio) entraram de uma vez por todas no comportamento daquele povo. Nada se poderia esperar do Estado, as coisas deveriam ser resolvidas à sua maneira.

O problema é que, quando os soldados da Inquisição foram embora, isso no final do século 18, tudo estava consolidado demais para simplesmente se desfazer. Os defensores dos oprimidos passaram a oprimir. Compreenderam rapidinho que poderiam usar as mesmas técnicas de intimidação para prosperarem. Os primeiros grandes chefes amealharam suas fortunas à base da extorsão e da venda de segurança. De maneira geral, isso foi aceito entre os sicilianos como o menor dos males. Ruim com os capos, pior sem eles.

Já o processo na América se desenvolveu, desde o princípio, no espírito sujo da bandidagem pura e simples. Dom Corleone, por exemplo, passa a idéia de que evoluiu sua carreira no mesmo espírito da terra distante, defendendo os fracos. No mundo real, os corleones da vida encararam uma verdade bem mais bruta. Os Estados Unidos, no começo do século passado, eram o país das oportunidades criminosas. E as fraquezas humanas eram, e serão sempre, o melhor negócio que já existiu no mundo dos vivos. Especialmente as fraquezas proibidas. Sexo por dinheiro, bebidas, jogos de azar e drogas. Eis porque as conexões do novo continente com a Sicília tinham mais a ver com know-how de organização interna do que qualquer outra coisa. A pureza do sangue para ser um membro poderia até ser exigida da boca pra fora. Mas, do ponto de vista prático, isso era uma pura bobagem. Em território ianque, gang siciliana se junta com quadrilha irlandesa, chinesa, judia ou colombiana. E Máfia, então, vira um termo vulgarizado. Um dos erros mais comuns, por exemplo, é associar Al Capone à original Cosa Nostra. Ele nunca foi um capo. Tinha boas relações com a Honorata Societá, notadamente com Johnny Torrio. Mas um americano oriundo de Napoli jamais poderia ser um autêntico chefe mafiosi.

Se quiserem explorar melhor o assunto, leiam os livros de Fred J. Cook - O Poder Oculto e Máfia, e o de Norma Lewis - The Honoured Society.

Comentários

  1. Vou buscar esses dois livros,a máfia me interessa muito.
    O Poderoso Chefão, li umas "trocentas" vezes,criei os personagens, e visualizei as paisagens.Discordei dos atores usados nas caracterizações, (menos do Marlon Brando e do Al Paccino)mas assisti aos filmes, embora o livro seja muito mais emocionante.
    Bjks.

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  2. Eu tenho os três filmes em DVD. Já assisti um monte de vezes também. Meu preferido é o segundo, com o Robert de Niro como o chefão. O terceiro vale pela atuação do Andy Garcia, que imita com perfeição os maneirismos do James Caan no primeiro. Pena que a Sofia Coppola substituiu a Winona Rider e fodeu com todas as suas cenas...

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  3. A Sofia Coppola foi mesmo a grande unanimidade do III. Péssima.
    Mas se mancou e virou uma ótima diretora de cults.

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