A toda poderosa Globo, quando entra numa bola dividida, entra pra quebrar. E de preferência na altura do joelho. Foi querendo, então, puxar um cartão vermelho que, neste domingo frio e escuro, ótimo para leitura, peguei minha revista Época no escaninho. Já na capa, bateu o nojo. Com uma foto grotesca de arquivo de polícia política e numa covarde chamada de sentido múltiplo – O passado de Dilma – a expectativa de chumbo grosso se instalou.
Nenhuma novidade, porém, nas catorze páginas da matéria. Nem mesmo os inquéritos mais manipulados da justiça militar da ditadura apontaram qualquer indício de que a favorita do Lula feriu ou matou alguém. Ou sequer ameaçou um qualquer com arma de fogo. Quando foi presa, nem revolver tinha na bolsa - e olhe que, naqueles tempos, isso seria quase uma obrigação de sobrevivência.
Talvez uma pessoa de quarenta anos, hoje, não consiga formar uma real compreensão das coisas que se passavam nos anos 60 e 70. Para tudo, era oito ou oitenta. O mundo estava dividido e radicalizado. Na América Latina, por exemplo, montaram uma irresistível máquina de moer consciências. Militares estupidificados por aqui acreditavam piamente que seus países compunham, no conjunto, um enorme teatro de operações de guerra da civilização cristã ocidental contra o exótico e sanguinário comunismo ateu. Por mais incrível que possa parecer hoje em dia, em cada país onde os generais golpearam as instituições, a simples menção à palavra liberdade – ou a simples posse de um livro escrito por Sartre - poderia desencadear perseguições, prisões, torturas e até assassinatos oficiosos.
No Brasil, a resistência foi micrométrica. Nenhuma organização que pegou em armas conseguiu reunir mais de mil militantes. E nunca houve terrorismo na acepção correta da palavra. Segundo Lênin, a intenção básica do terrorismo é aterrorizar. Não é uma de suas tiradas mais brilhantes. Mas é impecável pela obviedade. A guerrilha urbana brasileira passou praticamente todo o seu tempo de existência tentando montar um caixa para sustento. Os assaltos a bancos, evidentemente, eram violentos mas não havia a mentalidade precípua de plantar o terror na população. Muito pelo contrário. Alguns tiroteios aconteceram, eventualmente alguns feridos e mortos, mas, no geral, as pessoas que praticavam a luta armada procuravam sempre explicar o porquê de estarem fazendo aquilo. A arma apontada para as pessoas prejudicava um pouco a ternura do discurso mas, repito, não havia nem de longe a intenção de aterrorizar.
Os seqüestros de diplomatas estrangeiros eram praticados com objetivos típicos de defesa. Libertar companheiros que estavam sendo sadicamente seviciados nos cárceres escondidos passou a ser a prioridade das prioridades. A única moeda de troca válida seria o representante de um país com alto poder de pressão. Uma questão meramente técnica. Nenhum deles, porém, dentro de um razoável nas condições colocadas, foi maltratado. Charles Elbrick, o embaixador norte-americano, teve inclusive garantido o seu suprimento diário de charutos capa preta. Nabuo Okuchi, o cônsul japonês, disse em seu livro de memórias que teve tratamento de hóspede.
Alguns consultores de interrogatórios científicos foram fuzilados na rua. Outros financiadores particulares da repressão subterrânea, idem. E houve gente morta por engano. Talvez, neste particular, e apenas nele, houvesse alguma intenção de assustar. Era uma época de desespero e desesperados. A guerrilha urbana no Brasil, entretanto, não teve oportunidade, tempo, gente, dinheiro ou inteligência para viver o que propunha o seu fundamento: conquistar simpatias e montar regiões onde pudesse exercer um mínimo de domínio tático.
Já por volta de 1975 existia mais nada.
Nos anos quentes da ditadura militar, se não existissem as Dilmas, os Gabeiras, os Lamarcas e outros gatos pingados, o Brasil teria passado como o mais dócil, subserviente e acovardado país da história da humanidade.
A revista Época, se fosse séria e corajosa, teria feito é uma reportagem sobre os psicopatas que, nos anos 70, torturaram barbaramente uma jovem chamada Dilma Roussef por mais de uma semana.
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