UNS BONS MOTIVOS PARA VOTAR NO SERRA

Foi mesmo ingenuidade da boa subestimar a capacidade de destruição da irmandade do tambor. Falo dos quatro grandes da imprensa brasileira. Admito, talvez a Globo sozinha não fosse páreo para um cabo eleitoral com popularidade batendo nos oitenta. Mas, junto com a Folha de Sampa, o Estadão e mais a revista Veja, o kararaô veio tão eficiente no alarido que, se comparadas, as trombetas de jericó pareceriam uma solitária vuvuzela perdida no meio da savana. Não vi a era Vargas, nunca tinha visto esse tipo de coisa ao vivo e a cores. Quase trinta dias de puro bombardeio. Não era uma imprensa livre em ação. O tom usado mais parecia cruzada raivosa dos heróis do bem contra Lúcifer. E mais se intensificou quando Lula tentou partir para o revide, denunciando o verdadeiro caráter da coisa. Uma irresistível máquina de guerra de informação à serviço do candidato outro, qualquer que fosse. Nada menos.

Nesse aspecto, dispensemos papas na língua: o PT mandou o velho cálculo pusilânime para esfriar o fôlego do galo. Sentiu que as esporas eram afiadas e nada mais fez a não ser fechar a guarda e apenas deixar o adversário bater. Na única iniciativa de peso - um mero ato público contra a manipulação da mídia – os líderes do partido do presidente deixaram de comparecer, na hora agá. A CUT também não deu as caras. Os colunistas da Irineu Marinho e da Marginal deitaram e rolaram.

Quanto ao resultado, botemos parte da conta nessa figura inacreditavelmente volúvel que é o eleitor brasileiro. A Dilma perdeu, por vários dias, um milhão de votos a cada vinte e quatro horas. Dá quase uma Porto Alegre sumindo do mapa entre um por do sol e outro.

Mas, cá entre nós, nem de longe acredito nesse auê todo que estão fazendo em torno da Marina. O voto nela é tão somente aquilo que deveríamos chamar “voto estético”. Algo parecido com o voto tiririca enfeitado pelo glacê da classe média metida a cult. Nada de consciência ecológica em inexorável ascensão ou do convencimento de que a Marina seja uma real alternativa de poder. Fosse assim, fosse esse furacão todo que dizem, o PV teria feito alguns senadores – não fez um sequer; ou pelo menos um governador – ao contrário, sua maior estrela, Gabeira, protagonizou um fiasco histórico. O Partido Verde é uma gracinha, uma fofura inofensiva. Seguirá no câmara com quinze gatos pingados. No início dos anos 80, o PT capitalizou essa mesma marola. Era um charme votar no Partido dos Trabalhadores - organização de base operária, cheia de jovens idealistas etc. Radicais chics espetavam as estrelinhas vermelhas nas calças dos biquinis e , com as bundas apontadas para o céu nas areias da praia da Farme de Amoedo, faziam uma propaganda e tanto. Isso acabou completamente quando o PT foi chegando ao poder aqui e acolá. O poder é um sistema digestivo de ação muito rápida. Logo, tudo está no intestino. Cedo cedinho os atores, principais e coadjuvantes, começam a fazer merda. Com a aparência de estar distante do olimpo, Marina ganhou em Brasília, em BH e quase no Rio de Janeiro. Certamente venceu em Ipanema e no Leblon.

Vivo, neste segundo turno, o dilema do combate entre os meus Dr. Jekill e Mr. Hyde.

Meu normal segue firme com Dilma.

O diabinho, porém, que vem atazanando meus ouvidos, indica que Dilma e o PT vão aceitar o ultimato dos quatro grandes da mídia e seguir na campanha com um jeitão mais dócil e conservador. Mais religioso, mais lulinha-paz-e-amor.

Se confirmado, vou deixar o Hyde tomar conta.

Até que Serra na presidência poderá ser divertido. Esse homem, no Planalto, vai comer o pão de belzebu. De cara, a máscara do moralista irá à lona. Terá de formar uma maioria frágil com aquele tipo de deputado que não costuma negociar seus votos a leite de pato. Viverá sob a sombra de uma oposição numerosa e aguerrida, tendo fungando no seu cangote um político que é a maior liderança carismática surgida neste país nos últimos quarenta anos. Fez promessas absurdas aos baldes e terá de responder por cada uma.

Estou com uma certa saudade de pau quebrando. Para que o PT volte a ser PT, para que a CUT volte a ser CUT e, principalmente, para que Lula volte com força total, talvez votar no Serra seja uma.