Quando fiz, há poucos dias, um apanhado de notas autobiográficas para refutar acusações indevidas de alinhamento partidário e ideológico, mencionei meu período de militância numa organização trotskista, que iniciou-se em maio de 1977 e durou até fins de 1979. Esta organização era o PST (Partido Socialista dos Trabalhadores) que, mais tarde, passou a chamar-se Convergência Socialista (CS). Entrei no PST e saí da CS. Hoje em dia, a antiga Convergência tornou-se parte do atual PSTU.
Já falei dos desdobramentos ideológicos vividos neste período no post anterior. Quero agora falar do desenvolvimento pessoal que experimentei.
Antes de entrar para o PST, eu era uma pessoa patologicamente tímida, muito introspectiva, fechada num mundinho pequeno, de muita leitura mas de pouco convívio social e que quase nunca me manifestava em público. Um estudante esforçado, respeitado como tal pelos professores, mas não especialmente um destaque acadêmico. Uma condição que se explicava pelo meu passado de outsider em todos os grupos de que me aproximara até então.
Cursava Física na UERJ, ainda no regime seriado, em 77. Na minha turma estava o Eduardo, um amigo feito na Escola Técnica, que reencontrei na Universidade. Ambos fizemos novas amizades, e um pequeno círculo se formou. Pela primeira vez, praticamente, eu tinha um grupo de pessoas ao qual me integrava sem maiores dificuldades. Conversávamos sobre tudo, do existencialismo à política, do rock progressivo ao amor livre.
Na época, discutir política era uma novidade para toda a minha geração, criados que fomos sob a ditadura militar. A sede causada pela abstinência forçada era imensa. Corremos ao pote com tudo o que tínhamos. A conjuntura da época era de fácil caracterização: existia uma ditadura brutal já dando sinais de crise, e nós éramos contra ela e dispostos a ir à luta para derrubá-la. Era o tempo da retomada das greves operárias, da organização dos movimentos sociais, da luta pela Anistia, da reconstrução acelerada do movimento estudantil. Alguns deste círculo já tinham se comprometido com a organização que antecedera o PST, a Liga Operária. Fundada por militantes no exílio, gente que vivera a luta armada e que fizera uma crítica profunda desta experiência, a LO optara, corretamente, pelas "Liberdades Democráticas" como bandeira de luta contra o regime.
Já com o nome de PST, esta organização tinha presença ativa na UERJ, com militantes na Engenharia, Química, Física, Ciências Sociais, Serviço Social, Direito, Economia, Psicologia, e ainda mais. Editava um jornal estudantil próprio, o "Novo Curso", amplamente distribuído no Campus. As posições do PST para o conjunto da sociedade eram propagandeadas através de um jornal editado por uma frente de jornalistas de esquerda, o "Versus", uma das melhores publicações alternativas da época, ao lado de jornais como "Movimento", "Opinião", "Coojornal" e outros.
Foi neste ambiente de efervescência, num momento político de ascenso dos movimentos sociais, de caracterização política fácil, e de engajamento crescente, que me aproximei do pessoal que fazia o "Novo Curso". Passei a colaborar no processo de criação do Centro Acadêmico da Física, o CA José Leite Lopes (grande físico brasileiro exilado pela ditadura), do qual fui o primeiro vice-presidente.
Já inserido no movimento estudantil, fui "captado" pelo PST, numa conversa numa cabine de leitura da biblioteca da escola, conversa um tanto assustadora, com uma colega querida da Física (olha a afetividade aí, gente !). Eu era agora um revolucionário !
Quem me conhecera antes, já não me reconheceria mais. De cara esquisito que falava pouco, virei um orador audacioso; de indivíduo sem maiores referências afetivas, tornei-me uma pessoa que tinha amigos que me queriam bem e a quem eu procurava corresponder igualmente; de alguém que não se sentia bem no mundo, passei a ser parte de uma irmandade que se espalhava pelo planeta inteiro. De observador irônico, passei a ativista militante. Cresci muito ali, pessoal, política, cultural e afetivamente falando. E sou grato àqueles companheiros que fizeram isso. E também àquela organização, que promovera a existência daquele grupo de pessoas tão especiais.
Muitas das amizades feitas ali, naquele grupo, permanecem vivas ainda hoje. Muito do respeito, do apoio e do carinho que delas recebi, e que a elas devolvi, da forma que me foi possível, sobrevivem nos contatos que tenho com elas, mesmo tendo deixado o partido com menos de dois anos de convivência.
Um tempo curto, mas uma experiência definitiva.
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