Uma tarde no DPPS


Era 1978. Aproximavam-se as eleições para deputados federais, estaduais e senadores, e a esquerda carioca, em sua maioria, apoiava o velho senador Nelson Carneiro para o Senado.  Era o ano em que o antigo MDB cumpria o papel de frente contra a ditadura, depois de ter se credenciado para tal com a vitória inesperada que tivera nas eleições de 1974. Era a época da luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, das primeiras greves no ABC e da reconstrução do movimento estudantil. A repressão da ditadura ainda estava ativa e naquele ano mesmo houve gente sendo presa e torturada no Rio e em outros estados da federação.

Poucos dias faltavam para a ida às urnas, e uma passeata de apoio ao Nelson estava prevista para acontecer no Centro da cidade, para fechar a campanha. No dia marcado, eu, então militante da Convergência Socialista, estava distribuindo panfletos convocando para a passeata na Rua São José, em frente ao Terminal Menezes Cortes. A convocatória era assinada pelos deputados que a CS apoiava naquelas eleições, o Edson Khair para federal e o Ismael Lopes para estadual.

De repente, vindo de não sei onde, um grupo de PMs paramentados para a guerra apareceu. Os panfletos me foram tirados das mãos e o oficial comandante me exigiu os documentos. De posse deles, os policiais simplesmente me deram as costas e foram embora, terminal adentro. Abestalhado, fiquei parado uns momentos e decidi ir atrás deles (sei lá o que fariam com meus papéis!). Eu os alcancei na rua do outro lado do Menezes Cortes, rua estreita e bem menos movimentada do que a São José, onde estava parada a Patamo (como era conhecida a viatura do Policiamento Tático Móvel). Pedi meus documentos de volta, eles me mandaram entrar no carro. Entrei e eles entraram em seguida (não sei como couberam todos). Falaram alguma coisa com alguém pelo rádio (do que disseram, só entendi a palavra "subversivo"). Saíram então com a viatura sem me dizer para onde. Tirei da bolsa que carregava um livrinho de bolso do Peanuts, em inglês, que comecei a ler em meio a toda aquela gorilada.

Logo chegamos ao prédio do DPPS (Departamento de Polícia Política e Social - é, crianças, existia um órgão policial só pra essa finalidade!), a meio caminho entre as praças da Cruz Vermelha e Tiradentes.  Descemos da viatura e entramos todos juntos num elevador antigo de porta pantográfica, cujo espaço disponível para passageiros era ainda menor do o da Patamo. Um excesso de calor humano em pleno verão. Fomos para o segundo andar, e me lembro de notar que o corredor vizinho ao poço de ventilação interno do prédio tinha uma proteção de tela, que entendi ser para evitar que algum prisioneiro tentasse o suicídio pulando para o pátio no térreo.

Sentaram-me numa cadeira em uma das salas, e fiquei esperando.  Enquanto eu esperava, um monte de policiais disfarçados de estudantes circulava pra lá e pra cá, entrando e saindo daqui e dali, todos barbudos e com bolsas a tiracolo, como era a moda da época entre os universitários. Aos meus olhos, indistinguíveis da massa de estudantes de verdade. Até que chegou o policial encarregado do meu caso. Fez alguma perguntas, tipo "onde você pegou estes panfletos?" "por que estava distribuindo material subversivo?", ao que dei respostas tipo "no comitê de campanha", "o material era assinado pelos candidatos" e "eu ganho uns trocados para distribuir", essas amenidades. Ele fez umas anotações num bloquinho e logo saiu. Fiquei esperando, de novo.

Depois veio outro, que mandou um papo esquisito que conhecia meus pais (!), que ia avisá-los do filho subversivo.  Fez algumas ameaças de praxe, disse que ia me liberar, mas que era para eu ir direto pra casa, se desse as caras na passeata seria preso e ia passar a noite lá no DPPS. Me devolveu os documentos tomados pela PM e mandou-me embora.  Toda a novela durou umas duas horas, no total.

Saí dali me sentindo um verdadeiro revolucionário que tivera seu primeiro embate com a repressão política e se saíra bem, todo aceso.  Fui direto para o Comitê de campanha, que ficava na Rua Riachuelo, perto dos Arcos da Lapa, para informar da prisão e, esperava, encontrar algum apoio, orientação e (por que não?) algum reconhecimento por parte dos companheiros mais experientes. Mas ninguém me deu a menor pelota quando cheguei lá com a notícia...

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